A herança digital e o direito sucessório
Palavras-chave:
Herança Digital, Bens digitais, bens digitais após a morteResumo
Resumo Expandido do Artigo “Herança de Obras Intelectuais em Ambientes Digitais: Desafios da Sucessão de Bens Digitais”
Adriana Lucia Machado Berkenbrock, Renata Gregio Aveiro
O artigo aborda a crescente importância da herança digital no contexto jurídico brasileiro, destacando a necessidade urgente de regulamentação específica sobre a sucessão de bens digitais. Com o avanço da digitalização da vida cotidiana, as pessoas acumulam patrimônio em ambientes virtuais, como perfis em redes sociais, contas em plataformas digitais, criptomoedas e arquivos armazenados em nuvem. Após o falecimento de um indivíduo, surgem conflitos quanto ao acesso, uso e propriedade desses bens, especialmente diante da ausência de legislação clara. O caso da cantora Marília Mendonça ilustra esses desafios: após sua morte, o destino de seus perfis digitais, músicas inéditas e contratos gerou debates sobre privacidade, exploração econômica e direitos sucessórios.
A pesquisa utilizou uma abordagem qualitativa com base em análise dedutiva e indutiva, revisando legislações brasileiras como o Marco Civil da Internet, a Lei de Direitos Autorais e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Também foram analisadas experiências internacionais, especialmente da Alemanha e dos Estados Unidos, onde a regulamentação da herança digital está mais desenvolvida. A fundamentação teórica do estudo apresenta uma classificação dos bens digitais em três categorias: patrimoniais (como criptomoedas), existenciais (como mensagens e fotos pessoais) e híbridos (como perfis monetizados em redes sociais).
O artigo ressalta que o Brasil ainda carece de uma norma que defina com clareza o destino dos bens digitais após a morte. A legislação alemã, por exemplo, reconhece a transmissibilidade desses bens aos herdeiros, enquanto no Brasil, muitas vezes, as plataformas digitais ficam responsáveis por decidir o que fazer com os perfis e dados do falecido. Há tensão entre os direitos de privacidade do falecido e os interesses patrimoniais dos herdeiros, especialmente quando não há testamento ou declaração expressa do titular sobre o destino dos seus bens digitais.
Além do valor econômico, os bens digitais possuem profundo valor sentimental e afetivo. Estimativas indicam que cada pessoa pode acumular dezenas de milhares de dólares em ativos digitais, e a gestão correta desse patrimônio é fundamental para evitar disputas judiciais. A discussão sobre a sucessão de bens digitais envolve também os direitos da personalidade pós-morte, que, apesar de a personalidade civil se extinguir com a morte, ainda geram efeitos jurídicos protegidos pelo Código Civil, como o direito à honra e à imagem.
O estudo conclui que a legislação brasileira atual é insuficiente para regulamentar adequadamente a herança digital. O Projeto de Lei n.º 04/2025 representa avanço ao propor regras específicas, classificando os bens digitais em patrimoniais, existenciais e patrimoniais-existenciais. Apesar disso, persistem desafios quanto à privacidade post mortem e à atuação das plataformas digitais. É necessária uma legislação que equilibre os direitos dos herdeiros e a vontade do falecido, garantindo a preservação do legado digital de forma ética e juridicamente segura.
Referências
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Lei de Direitos Autorais.
BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet.
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
ZAIOSC, Carine Volz; TOALDO, Adriane Medianeira. Herança digital: impactos sobre direitos dos sucessores e do falecido. As redes sociais e os novos desafios ao Sistema Processual Brasileiro, p. 17.
A HERANÇA DIGITAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, Ciências Humanas, Volume 28 – Edição 133/ABR 2024, Geovanna Souza Vieira e Marina Teodoro (https://revistaft.com.br/a-heranca-digital-no-ordenamento-juridico-brasileiro/)
- “O ambiente virtual, assim como ocorre no mundo não virtual, comporta aspectos nitidamente econômicos, de caráter patrimonial, bem como outros ligados inteiramente aos direitos da personalidade, de natureza existencial. Dessa forma, acredita-se que seja adequada a construção de duas categorias de bens: os bens digitais patrimoniais e os bens digitais existenciais. E, por vezes, alguns bens com esta configuração poderão se apresentar com ambos os aspectos, patrimonial e existencial a um só tempo. “(BRUNO ZAMPIER, 220, p. 113).
- Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves, “a palavra “sucessão”, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens”. Todavia, continua o professor, especificamente no ramo sucessório, “[...] o vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis” (GONÇALVES, 2018, p. 849).
MARÍLIA MENDONÇA. [Feed completo no Instagram]. [s.l.], dez. 2012. Instagram:
@mariliamendoncacantora. Disponível em: https://www.instagram.com/
mariliamendoncacantora/Trabalhamos juntos, Marília Mendonça e Océane, para desenvolver duas coleções
maravilhosas (...). [s.l.], 20 out. 2022. Instagram: @mariliamendoncacantora. Disponível em: https://www.instagram.com/mariliamendoncacantora/
HONORATO, Gabriel; LEAL, Lívia Teixeira. Exploração econômica de perfis de pessoas falecidas: reflexões jurídicas a partir do caso Gugu Liberato. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 23, p. 155-173, jan./mar. 2020. https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/142423
GUIMARÃES, Fernanda. Herança digital, como o Instagram e o YouTube de Marília Mendonça, vira alvo de disputa judicial. Estadão, 3 nov. 2022. Disponível em: https://www.estadao.com.br